PALAVRAS
Contos de uma flama infinita

domingo, outubro 20, 2002

10:59 da tarde.
A vida no exílio após a abdicação



Tenho hoje o desespero de um monarca. Destituído de poderes, tenho que resguardar-me na solidão do exílio. Hoje tenho dores morais e um certo desconforto físico por não mais representar os desejos alheios e os poderes a mim outorgados. Paulatinamente, o meu séquito dispersou-se no mundo numa constante fuga, reprisando as clássicas diásporas que hoje não possui o menor significado.

27 meses. Estou debilitado com as chagas virtuais abaladas por uma lepra a deteriorar o que antes foi adorado por uma multidão de plebeus que imploravam um único sorriso como benefício. Não sei o que anteriormente fui, parece um deslavado choro de olvidado. Talvez interpretaram como tirania meu desejo de que todos pintassem suas casas de cinza. Ou quando ordenei que as mulheres usassem vestidos decotados e as pernas expostas, ou talvez, quando convoquei os filhos menores para uma batalha entre as tribos vizinhas. Ou quando, imitando Marte, invadi um colégio de vestais deflorando as virgens, que meses depois deram à luz a dezenas de rômulos e remos, cidades de Roma e uma alcatéia de amas-de-leite.

Um entendimento claro e simples: o leitor desconfia de minhas nobres causas . Se o que fiz foi apenas para o bem de um povo sujo, que não soube interpretar os adventos de uma nova sociedade, desprovida de futilidades e repleta de crenças fossilizadas.

Tenho que assistir minha decadência em fragmentos de vida que se esvaem enquanto a contemplo em cada conta de um rosário ou quando unidas num manto sacerdotal estendido no chão.

Julio Costello



10:49 da tarde.
A Cabana


Despertámos para a crueldade do mundo no dia da descoberta. Constatámos a ébria hierarquia do tempo: o passado, o presente e o futuro. Perguntámos 'porquê?'. A cronologia das coisas, o passado como fardo primeiro, insaciável censor do que está por vir.

A impossibilidade dos cardos, da Praia, da Cabana e dos chorões. Dos aromas salgados do Oceano e dessa instituição absurda que é a Eternidade. A rede vazia, que nem sequer existe, há de balouçar para sempre ao ritmo dos corpos entrelaçados no pôr do sol. As vozes estridentes e irrequietas daquele batalhão de putos - os nossos putos - correndo e rodopiando pela liberdade das dunas. A fantasia do inacessível. A função omnipresente do sofrimento nas coisas do amor.

A boca do metro vem buscá-lo outra vez. Perguntamos 'porquê?'. Por uma hora foram vagabundos inconsequentes na interminável busca do que não há. Por uma hora se deleitaram à luz das velas, que não estavam lá, do luar, que teima em não existir à hora do almoço apressado, ao som de búzios longínquos, sonhados, desejados. Sem luxúria nem vertigem. Sem medo nem esperança. Apenas as mãos separadas, por pudor, os olhares fixos, satisfazendo o espírito, já que o corpo não pôde saciar-se.

As conversas fúteis, supérfluas, de quem tanto tem para dizer, mas não pode. Não sabe. Não tem coragem. Os nervos que a todo vapor se acercavam da refeição, o estômago tolhido, a falta de fome, o sonho - essa nuvem branca e imóvel que pairava, algures, sobre um e outro.

- Se o metro te devolvesse amanhã. Para sempre.
- E tudo começou com um sonho filho da puta, com uma cabana e contigo.

Adulterámos a realidade na esperança de termos coragem. Acentuámos a ingenuidade, a fingir que tudo poderia ser lindo. Fincámos os pés num raio perdido de um luar romântico, acelerámos os ritmos cardíacos, sintonizámos as pulsações, absorvemos, degustando, as migalhas que mendigámos ao tempo.

A cabana seria pequena, toda em madeira. Lá, encavalitada e sem jeito, no topo da mais bela das dunas. O mar seria o cavalheiro despertador, a canção de embalar, a expressão dos dias bravos, a comoção revolvida da calmaria. A areia seria branca e fina. Não tão fina como o pó. Delicadamente granulada. Pisaríamos os chorões espraiados pela paisagem e o nosso olfacto almejaria o horizonte, em busca dessa fonte maravilhosa dos odores bruscos e húmidos trazidos pela maré. A noite cairia suave e o dia haveria de nascer sempre risonho. No Outono, quando as névoas nos assaltassem a redondeza, embarcaríamos no mistério desse manto fino, branco e frio. Eu buscar-te-ia. Tu esperarias por mim. Deixaríamos que a imaginação nos guiasse por entre as cutículas minúsculas até nos encontrarmos.

A Cabana havia de ter uma lareira. Os rigores invernosos obrigariam à procura do aconchego, à noitinha, junto de um lume elegante e mansinho. Um pequeno fogo para nos alumiar a comunhão, para nos aquecer os corpos juntos. A criançada estaria a dormir. A noite seria só nossa. Da intimidade e dos prazeres. Despir-me-ias com a doçura da provocação, com a delicadeza do carinho. Aconchegar-me-ia em ti, ambos sem roupa.

Na Primavera as flores despertariam para nós. Talvez despontassem em pequenos montes impacientes, expectantes, loucos por estarem vivos. Tal como nós, nas quotidianas horas de acordar, ao lado um do outro.

No Verão, à noite, em estando os filhotes ao abrigo do sono e dos sonhos, viajaríamos despidos pela praia só nossa. Palmilhando a escuridão da areia, o perfume das nossas peles, os gemidos, os gritos sussurrados e as declarações de amor.
Fantasiámos o absurdo: isso de ser feliz. E era tudo mentira.

Poderá a boca do metro devolvê-lo, um dia? Sonham, em espera. Sem esperança nem luxúria: apenas um desejo infantil e inexplicável. Uma dor agradável, um sorriso combalido, um brilho ofuscado no olhar.

Por um segundo, enlouqueceram a vida. Tornearam um destino, sorveram, um do outro, o pólen ligeiro que o tempo permitiu. Por um segundo, impacientaram os deuses - aqueles que nos recortam a carne das mãos e nos deixam sinais invariavelmente imortais. Por um segundo, o sonho - a miragem, a coisa que lhes enchia o corpo e a mente, essa alma nova e inabalável - parecia brotar. Destino: realidade.

A boca do metro veio buscá-lo, outra vez. Dejá vu. A carruagem partiu pelos escombros da humanidade, pelos despojos da cidade, pelos detritos do mundo, pelo que restava do resto da vida.

- Declaro a imortalidade daquele segundo escorregadio, daquela fuga fugidia.
- A eternidade no canto dos lábios.

por Diego Armés







Julio Costello



7:34 da tarde.
Os Solares continuam aqui mesmo


Estava tentando um novo template e um endereço novo para os solares. Frustrei-me e eis-me aqui novamente, um novo template, simpes e com a proposta de textos do grande Diego Armés.

Desconsiderem, por favor, o endereço divulgado semana passada.

Por enquanto os Solares cá ficarão até eu aprender a utilizar o "Team" e construir meu próprio template.
Julio Costello

Correio 1
Julio

Correio 2
Diego




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